Onde foi que nós erramos?
DÉCADA DE 10:
O rapaz de terno, colete e cravo na lapela, embaixo da janela dela, canta:
"Tão longe, de mim distante,
onde irá, onde irá teu pensamento?
Quisera saber agora se esqueceste,
se esqueceste o juramento.
Sabe se és constante, se ainda é meu teu pensamento
e minh'alma toda de fora, da saudade, agora o tormento!"
DÉCADA DE 20:
Ele, de terno branco e chapéu de palha, embaixo do sobrado em que ela mora, canta:
"Ó linda imagem de mulher que me seduz!
Ah, se eu pudesse tu estarias num altar!
És a rainha dos meus sonhos, és a luz,
És malandrinha, não precisas trabalhar."
DÉCADA DE 30:
Ele, de terno cinza e chapéu panamá, em frente à vila onde ela mora, canta:
"Tu és, divina e graciosa, estátua majestosa!
Do amor por Deus esculturada.
És formada com o ardor
da alma da mais linda flor, de mais ativo olor,
que na vida és preferida pelo beija-flor...."
DÉCADA DE 40:
Ele ajeita seu relógio Pateck Philip na algibeira, escreve para a Rádio Nacional e manda oferecer a ela uma linda música:
"A deusa da minha rua,
tem os olhos onde a lua, costuma se embriagar.
Nos seus olhos eu suponho, que o sol num dourado sonho,
vai claridade buscar"
DÉCADA DE 50:
Ele pede ao cantor da boate que ofereça a ela A interpretação de uma bela bossa:
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça.
É ela a menina que vem e que passa,
no doce balanço a caminho do mar.
Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema.
O teu balançado é mais que um poema.
É a coisa mais linda que eu já vi passar."
DÉCADA DE 60:
Ele aparece na casa dela com um compacto simples embaixo do braço, ajeita a calça Lee e coloca na vitrola uma música papo firme:
"Nem mesmo o céu, nem as estrelas,
nem mesmo o mar e o infinito
nao é maior que o meu amor,
nem mais bonito.
Me desespero a procurar
alguma forma de lhe falar,
como é grande o meu amor por você..."
DÉCADA DE 70:
Ele chega em seu fusca, com tala larga, sacode o cabelão, abre a porta prá mina entrar e bota uma melô jóia no toca-fitas:
"Foi assim, como ver o mar,
a primeira vez que os meus olhos
se viram no teu olhar....
Quando eu mergulhei no azul do mar,
sabia que era amor
e vinha pra ficar..."
DÉCADA DE 80:
Ele telefona pra ela e deixa rolar um:
"Fonte de mel, nuns olhos de gueixa, Kabuki, máscara.
Choque entre o azul e o cacho de acácias,
luz das acácias, você é mãe do sol.
Linda..."
DÉCADA DE 90:
Ele liga pra ela e deixa gravada uma música na secretária eletrônica:
"Bem que se quis, depois de tudo ainda ser feliz.
Mas já não há caminhos pra voltar.
E o que é que a vida fez da nossa vida?
O que é que a gente não faz por amor?"
Em 2001:
Ele captura na internet um batidão legal e manda pra ela, por e-mail:
"Tchutchuca! Vem aqui com o teu Tigrão.Vou te jogar na cama e te dar muita pressão!
Eu vou passar cerol na mão, vou sim, vou sim!
Eu vou te cortar na mão! Vou sim, vou sim!
Vou aparar pela rabiola! Vou sim, vou sim!"
Em 2002:
Ele pára o chevetinho 81, rebaixado, e no mais alto volume solta o som:
"Abri as pernas, faz beicinho,
vou morder o seu grelinho...
Vai Serginho, vai Serginho..."
"Vem minina num si ispanta,
vô gozá na tua garganta..."
Em 2003:
Ele tá no carro, rebaixado, com luz neon em volta, abre o porta-malas no postinho e vai:
"Vou mandando um beijinho
Pra filhinha e pra vovó
Só não posso esquecer
Da minha eguinha pocotó
pocotó pocotó pocotó"
ONDE FOI QUE NÓS ERRAMOS? SERÁ QUE AINDA É POSSÍVEL PIORAR?
lembrando da the farm, uma adaptação...