12.12.02

Desista.



Se não gostou do título, desista. Quem foi que disse que não se compra um livro pela capa? Ou que não se lê um texto pelo título? Bom, se não desistiu, ainda é tempo. Ou quem sabe mais pra frente. Desista. Vou repetir muito essa palavra nesse texto. Meu intuito, no final das contas, é fazer com que você desista. Desista.

Então, você quer trabalhar com publicidade? Desista.

Todos os anos, milhares de pessoas como você tentam entrar no maravilhoso e glamuroso mundo da publicidade. Eu disse milhares, percebeu? São pessoas que, como você, odeiam números (não poderiam nunca ser engenheiros, matemáticos, astrônomos, físicos nucleares, vendedores de título de capitalização), desmaiam quando vêem sangue (fazer medicina, veterinária, enfermagem ou virar açougueiro, nem pensar) odeiam estudar demais (direito, administração, economia, e qualquer outra profissão que exija um mínimo de esforço ou um teste para se formar estão fora de questão) e querem ganhar dinheiro rapidamente sem trabalhar demais. Desista. Como eu já disse, são milhares de folgados como você. Talvez com um pouco de esforço, você se torne um caolho numa terra de cegos, mas isso nunca fará de você um rei. Desista. Se você escolheu publicidade como sua profissão, deve ser de uma família relativamente estabilizada na vida e pode ser sustentado pelo papai até os 30. E um dia quem sabe, até virar herdeiro. Mais fácil, não? Desista.

Você acha que tem o dom, muito jeito pra coisa? Desista.

Bom, se você não se abalou com aqueles pseudo-insultos do primeiro trecho do texto e continua a ler, parabéns. Há outros motivos para desistir. Vamos falar das possibilidades por exemplo. O mercado publicitário é um ovo. De codorna. Não pelos seus atributos viris, mas sim pela dimensão. Se pensarmos que a maior agência do Brasil não suporta mais de 300 funcionários (contando com os seguranças, copeiras, ascensoristas, pessoal do administrativo e financeiro, mídia e todas aquelas áreas que não servem pra nada), já podemos ter uma idéia de como vagas são mais raras do que neurônios em cabeça de cliente. Claro, existem muitas agências pequenas, mas nessas, quem quer trabalhar? Todo mundo quer trabalhar na criação da Almap, ou da DM9, ou de uma agência que valha a pena. Eu nunca ouvi alguém me dizer que entrou na faculdade de publicidade por que sonhava em ser mídia da J. Cocco. Enfim, as vagas são pouquíssimas e dificilmente você vai conseguir chegar perto de qualquer coisa que possa parecer um sonho de emprego. Talvez nem mesmo de um pesadelo. Desista. Na Volkswagen trabalham mais de 20.000 pessoas, lá deve ter uma vaga pra você.

Você tem talento. Não é um folgado. É batalhador. Desista.

Vamos supor que você ainda não tenha desistido de ler este texto e até consiga um estágio numa agência. Por méritos próprios, claro. Porque se você conseguiu entrar porque é filho/parente/vizinho/amigo de alguém da agência ou do cliente, desista. Isso pode até te colocar lá dentro, mas só vai fazer com que você tenha uma vida lastimável. Ninguém gosta de "peixe". Mesmo que você mereça ou seja competente, sempre será visto como alguém que precisa de um pistolão pra conseguir o que quer e nunca será respeitado. Se era assim que pensava em entrar, desista. Voltando ao exemplo do pobre sofredor que, por méritos próprios, conseguiu entrar numa agência interessante, até que grande, com contas boas. Aproveite e faça amigos. Afinal, depois de um ano como estagiário (esqueça, você não vai ser efetivado) é só o que você vai conseguir por lá. Emprego, dinheiro, promoção…desista. A realidade das grandes agências é mundialmente complicada. Pro diretor de criação da BBDO de Kuala Lumpur contratar um estagiário, mesmo que ele seja o ó do borogodó, ele tem que pedir autorização para o Diretor de Criação da BBDO Ásia, que vai pedir autorização para o Diretor Financeiro da BBDO Ásia, que vai pedir autorização para o Diretor Mundial de Operações da BBDO, que vai mandar um fax para o Diretor Financeiro da Omnicom que vai colocar o fax em cima da mesa do Presidente Mundial da Omnicom, que, ao ler aquele fax vai colocar junto com os outros todos pedidos de efetivação ou contratação de gente numa pasta e depois vai mandar um e-mail para todos os funcionários do grupo Omnicom, que controla a BBDO, a DDB e outras tantas, dizendo que "estamos num momento de crise mundial e que nenhum funcionário deve ser contratado sem a prévia autorização pessoal dele e que o ideal seria que os quadros fossem reduzidos em 20%. E que os lucros crescessem pelo menos 15%." Sem comentários. Desista.

Criar campanhas, defender marcas, promover cases de comunicação. Desista.

Embora queira pular no meu pescoço por eu ser um derrotista, um pessimista, um recalcado que nunca conseguiu trabalhar na criação da Almap (onde você também não vai conseguir), você ainda continua a ler. Acho bom, pois eu ainda tenho argumentos para fazer com que você não perca tempo (como o que está perdendo agora lendo esse texto) e desista. Vou deixar de dar minha humilde opinião para deixar que você mesmo chegue às suas conclusões. Só peço que você se faça uma pergunta: por que diabos você quer trabalhar com publicidade?

Dinheiro? Desista. Foi-se o tempo em que se ganhavam salários fabulosos nesse mercado. O mais provável é que você talvez chegue na casa dos R$ 1.500 mensais (sendo muitíssimo otimista) e por lá fique o resto da vida. É mais provável ganhar dinheiro com aquelas propostas que dizem "Ganhe dinheiro a partir de casa" do que com publicidade.

Fama? Sucesso? Desista. Pergunte para qualquer pessoa normal se ela conhece algum publicitário. Talvez ela cite o Olivetto, ou o Nizan, no máximo o Roberto Justus. Marcello Serpa? Nunca ouviu falar. Publicitário só é famoso no meio. Não me parece que ser conhecido por um número de pessoas que não encheriam o estádio do Capiberibense de Mossoró seja o ideal de alguém que queira ser famoso.

Realizacão profissional? Essa é a mais engraçada. Desista correndo. Trabalhar com publicidade é das coisas menos interessantes e relevantes que existem. O que as pessoas fazem quando vêem TV e começam a passar os comerciais? Trocam de canal. O que fazem na revista quando vêem um anúncio? Viram a página. Outdoor vá lá, parado no trânsito a gente até vê. Mas porque é obrigado, não porque quer. É um trabalho que só é importante pra quem faz. Nem quem aprova e paga aquilo liga de verdade pra isso. Os clientes (por si só, um dos maiores motivos pra se desistir de pensar em trabalhar com publicidade) fazem de tudo para que os anúncios sejam cada vez menos interessantes e relevantes. Isso porque a vida deles gira em torno de um sabonete, de um cigarro, de um carro. É, existem coisas menos interessantes pra se fazer do que trabalhar em agência. Ser cliente é muito mais estúpido. Já pensou poder contar pros seus netos que durante dez anos da sua vida você só falou de sabonete?

Prêmios? Claro, aí tenho que dar o braço a torcer. Quem é que não quer ganhar uma estátua dourada breguíssima com a cabeça de um leão que nem pra segurar livros serve? Experimente dizer pra alguem que não conhece publicidade que você já ganhou dez leões em Cannes. Provavelmente a pessoa, depois de tentar entender porque diabos você está falando com ela, vai dizer. "Coitado, dão muito trabalho? Manda pro zoológico…". São prêmios inúteis, que são bem um reflexo da profissão. Já pensou se um cientista ganhasse o prêmio Nobel com uma pesquisa que não deu certo, mas que se desse, seria ótima? Uma pesquisa fantasma? Ou um ator que ganhou o Oscar por um filme que não foi rodado, mas que se fosse, seria fantástico? São prêmios e mais prêmios, todos pra tentar fazer com que as pessoas que trabalham com isso achem que, afinal de contas, não são tão inúteis. É a famosa terapia do auto-engano.

Fazer a diferença? Desista. Um médico faz a diferença. Salva vidas, cura se for bom, mata se for mal. Um engenheiro, um arquiteto, ao construírem uma casa, um edifício, seja lindo, seja horroroso, fique de pé ou caia, fazem a diferença. São coisas palpáveis. Úteis. Necessárias. Uma professora faz a diferença. Um gari. Um flanelinha. Uma puta. Todos podem um dia dizer que o que fizeram, fez a diferença. Um publicitário…nem com muito esforço. É a profissão mais inútil que existe (depois de ser cliente, mas entramos no mesmo círculo de inutilidades). Há 100 anos não existia a praga do marketing e ninguém sentia falta. Se amanhã um vírus mortal que se espalha através de layouts matar 99% da população de publicitários do mundo sabe o que acontece? Nada. Ninguém vai sentir falta. O mundo vai até ficar mais bonito e divertido sem aquela poluição visual toda e sem aquelas coisas chatas entre os programas de TV e notícias de jornal.

Bom, você continua lendo. É, eu não imaginava outra coisa de alguém que não tem nada melhor pra fazer da vida e vai tentar fazer carreira em publicidade. Mas você deve estar se perguntando (ou não, mas sabe como é, publicitário adora achar que pensa que sabe o que os outros pensam): se eu acredito em tudo isso que eu escrevi, porque é que EU não desisto? E quem foi que disse não? Eu desisti. Só que eu demorei anos pra perceber aquilo que, espero, você tenha percebido só lendo esse monte de besteiras que eu escrevi. Mas como você é muito esperto e sabe que com você vai ser diferente, boa sorte. Eu vou aproveitar minha vida. Espero que daqui a alguns anos você possa aproveitar a sua.


Davi Amarante
Ex-Supervisor Criativo
Ex-Edson, FCB - Lisboa

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